Para jornalista, a renúncia foi causada pela perda do poder do papa


Um dos responsáveis pelas denúncias que deflagraram o escândalo conhecido como "Vatileaks" --o vazamento de documentos secretos da Santa Sé--, o jornalista italiano Gianluigi Nuzzi, 43, disse que a renúncia de Bento 16 foi causada pela perda de poder do papa para reformar a cúpula da igreja.

Em entrevista à Folha, ele afirmou que a elite administrativa do Vaticano está rachada por intrigas e suspeitas de corrupção.

Nuzzi é autor de "Sua Santità" ("Sua Santidade", em português), livro que aponta um crescente antagonismo entre o papa e o número dois do Vaticano, o secretário de Estado Tarcisio Bertone.

Os documentos que abasteceram o livro de Nuzzi e a imprensa italiana provocaram a prisão e a condenação de Paolo Gabriele, o mordomo do papa que foi acusado de ser o autor do vazamento. Gabriele recebeu indulto do pontífice.

O escândalo jogou sobre o cardeal Bertone a suspeita de ter promovido uma campanha para afastar o arcebispo Carlo Maria Viganò, responsável pelas licitações do Vaticano, que havia denunciado casos de corrupção.

A seguir, a entrevista que Nuzzi concedeu à Folha.

Folha - Na sua opinião, o que pode ter provocado a renúncia do papa: o cansaço alegado por Bento 16 ou as divisões internas da igreja?
Gianluigi Nuzzi - Eu acredito que o papa não tem mais a força pra reformar a Cúria Romana [cúpula da igreja], que está dividida por brigas, denúncias de corrupção e jogos de poder. Acredito que Bento 16 não confie mais em seu secretário de Estado. Os dois não conseguem mais prosseguir juntos na condução da igreja no mundo.

Por que Bento 16 não prevaleceu?
O papa se chocou com blocos de poder, que exigem uma reforma radical de cunho político. Isso não é próprio de um papa que é e continuará sendo um teólogo.

O futuro papa vai encontrar que ambiente na Santa Sé?
O futuro dependerá muito daquilo que escolherão os cardeais não italianos --se saberão interpretar e entender esse mal-estar na Cúria e se saberão unir forças em prol de candidatos não italianos. Até porque os protagonistas das histórias contadas em meu livro são todos italianos.

O senhor acredita que o vazamento de documentos teve alguma influência nessa decisão do papa?
A influência não é sobre sua renúncia. O problema não é que certas coisas se tornem públicas, mas quem são os protagonistas dessas histórias, os protagonistas negativos.

Os italianos vão eleger o novo Parlamento neste mês. A decisão do papa repercute de algum modo no processo?
Ela deixa um sinal de confusão em todos.

SAIBA MAIS

O escândalo que ficou conhecido como "Vatileaks" (numa referência ao WikiLeaks) emergiu em janeiro de 2012, quando a rede de TV italiana A7 divulgou cartas enviadas pelo atual núncio nos EUA, Carlo María Viganò, a Bento 16, nas quais denunciava "corrupção, prevaricação e má gestão" na administração vaticana.

Em maio, centenas de novos documentos secretos vieram à tona com a publicação do livro "Sua Santidade - As Cartas Secretas de Bento 16", do jornalista Gianluigi Nuzzi, mostrando complôs e intrigas na Santa Sé.

Alguns documentos mostram confrontos travados sobre o problema do Banco do Vaticano em cumprir normas internacionais de transparência. O presidente do banco, Ettore Gotti Tedeschi, foi retirado do posto.

As acusações de vazamento dos documentos recaíram principalmente sobre o mordomo de Bento 16, Paolo Gabriele. Ele confessou o roubo de documentos, justificando que "queria provocar um choque para colocar a igreja no bom caminho".

O mordomo foi condenado a 18 meses de prisão, mas em dezembro o papa foi pessoalmente anunciar seu indulto. Banido do Vaticano, começou ontem a trabalhar num hospital infantil.